domingo, 25 de março de 2012

Nêgo Jaime

Por Carlito Peixoto Lima *

Bar do Relógio e Hotel Bella Vista.

Uma cidade não é composta apenas de prédios, parques, jardins, ruas e praias, ela tem espírito, tem alma, essa alma é o povo que nela vive, é sua história. Algumas personagens se destacam em certa época, depois caem no esquecimento. Tento lembrar algum deputado dos anos 60, vem à memória um ou outro, entretanto, figuras populares ficam na história da cidade. 

Cortando o cabelo com o velho Zezé o tempo passa rápido, ele é um poço de histórias de Maceió. Essa semana nos lembramos do Nêgo Jaime, (desculpe-me o movimento afro, era assim que o chamávamos). Forte, mais de 1,90 metro, enfermeiro da Rede Ferroviária, boêmio, calmo como um budista, contudo, não levava desaforo para casa. 

Certa vez, no Bar do Relógio, ponto da boemia, de virada de noite de Maceió, dois marinheiros bêbados tomavam a saideira para retornarem ao navio, ao avistarem o Nêgo Jaime solitário em uma mesa, um dos marinheiros, com ar de superioridade, entregou-lhe uma dose de cachaça, “Toma Nêgão, quero ver se você é bom”. Jaime na maior paciência, disse que estava apenas de cervejinha, no outro dia tinha que trabalhar. O marinheiro insistiu, provocando, “Você não é homem Negão?” Jaime não teve dúvida, levantou-se, deu um murro no marinheiro, iniciou verdadeira batalha. Os marinheiros eram bons de briga, entretanto, Nêgo Jaime estava com demônio no corpo. Mais de meia hora entre murros e golpes, Jaime bateu como sabia, com raiva, quase mata os marujos. Levaram os dois para o Pronto Socorro. Precisou entendimento entre a Capitania dos Portos e a Rede Ferroviária, os marinhos queriam matar Jaime, só houve sossego quando o navio partiu. 

Jaime não era desordeiro, nem arruaceiro, mas parece que atraia os provocadores. Toda sexta-feira ele tomava uma cervejinha no Bar da Maravilha antes de ir à Zona de Jaraguá. Numa dessas noites chegaram três playboys de lambreta e provocaram o Nêgo. Ele se retirou elegantemente, Jaime se vestia bem, deixou os provocadores, foi para os braços de Lourdinha na Boate Tabaris. Na outra sexta-feira aconteceu a mesma provocação, com os lambretistas. Na terceira sexta-feira, Nêgo Jaime chegou requintado, terno de linho branco, segurando o paletó entre os dedos, pediu cerveja, ficou observando o movimento aguardando a hora de Lourdinha em Jaraguá. De repente apareceram quatro lambretistas fazendo maior zoada. Ao sentarem iniciaram a perturbar: “Olha aí o Picolé de Onça todo de branco”. “Macaco de branco fica mais feio”. Jaime se aproximou na maior calma, nem conversou, rodou o paletó na cara do primeiro que caiu no chão, ao se levantar levou outra paletozada, ficou estatelado, o Nêgão virou-se e mandou o paletó num lourinho metido a James Dean que se arriou no calçamento. Desesperados, os playboys montaram nas lambretas, partiram sem destino, sem pagar. Nunca mais apareceram às sextas no Bar Maravilha. Nêgo Jaime mostrou sua estratégia ao dono do bar ao descosturar a manga do paletó e tirar pesadas britas arrumadas dentro das mangas, criativo, inventou uma arma. 

Jaime tinha um chamego com a Nêga Jandira, dona de um bar, todo ano desfilavam pela Escola de Samba Unidos do Poço. Jandira era a porta estandarte, bonita, sabia requebrar sua maravilhosa bunda deixando a moçada com água na boca. No carnaval, a Unidos do Poço desfilava para valer, queria o terceiro campeonato seguido, Jandira fazia evoluções com o estandarte no ar, delirantemente aplaudida pelo povo na Rua do Comércio, ao passar pelo palanque, defronte ao Cine São Luiz, Jandira deu tudo de si, Nêgo Jaime dançando, acompanhava mais atrás sua amiga a evoluir. De repente apareceu um popular, como disse o jornal, não aguentou, atravessou a corda de segurança, passou a mão na bunda da Jandira e agarrou-a à retaguarda. Foi preciso Jaime destravá-lo do abraço traseiro, deu-lhe um murro, o tarado caiu de costas na bilheteria do Cine São Luiz. Mesmo com esse inusitado acontecimento, como foi noticiado, os jurados compreenderam o desvario do tarado, deram à Unidos do Poço o título de tri-campeã do carnaval alagoano.


* Carlito Lima, ex-capitão do Exército, ex-prefeito de Barra de São  Miguel, Alagoas, engenheiro, ambientalista, contador de histórias e escritor alagoano.

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