domingo, 30 de novembro de 2014

Sete fotos de cangaceiros mortos

De Virgílio Maia


Sete fotos de cangaceiros mortos 

Para Dantas Suassuna

Desde a foto primeira, a de Cirilo,
nelas se nota, em semi-simetria,
um eixo de rancor e crueldade,
com retalhos da noite em pleno dia,
em justa proporção se sobrepondo
conceitos de coragem e covardia.

Há, na composição, equidistâncias,
mas há mais semelhança que igualdade, 
pois nos dois hemisférios estão juntos
o carimbo e a rubrica da maldade,
na assinatura crua da panóplia
feita só de brasões de iniquidade.

De tudo vê-se um pouco: as improváveis
máquinas Singer cantam nos bordados,
sobre caixotes com letreiro inglês
impertinentemente colocados
entre facas, facões, punhais e terços
e os ecos dos combates celebrados.

Os dobrados chapéus trazem nas abas,
engastadas no couro, as esterlinas;
mas há ouro e há prata e há os bornais,
e, às vezes, puídas, há botinas,
tudo somado ao toque de clarim
afiado no bico dos campinas.

Era um mundo de sola, dado ao sol:
as correias, os coldres, as perneiras;
enfileirando patacões do Império,
já brunidas pelo uso, as bandoleiras;
rivalizando o brilho das fivelas,
os frisos e os debruns das cartucheiras.

Tem remotos sinais de tempos outros,
coisas da Ibéria, algumas da Judeia:
a franca flor-de-lis, cruzes-de-malta,
a estrela-de-seis-pontas e essa idéia
duma esfera armilar, tão lusitana,
balizando os princípios da epopeia.

Mas por fim, esse instante das cabeças
nos batentes da igreja de Santana:
a porta está cerrada e ninguém diz
quem tocou tão tristonha caravana,
de momento acendendo onze candeias
nesse altar consagrado à Caetana.

Nenhum comentário:

Postar um comentário